We should learn to appreciate our body.
We should learn to value our opinions and thoughts.
We should learn how to treasure our differences.
We should learn to trust our intuition.
Instead, we learn to be shameful.
And this knowledge spreads like a virus.
Especially in women.
The learning of shame affects the way we see our body, places a huge question mark on our opinions and thoughts, devalues our differences, mocks at our intuition.
As a result we grow (do we, really?) insecure, fragile, too permeable to the influence of others.
Think about this the moment you are invited to raise a child.
How do you want her to walk life through?
Think about YOU: how much more are you willing to compromise because of all the shame you have been taught?
A viajar para dentro e para fora há 50 anos
Terapeuta Ocupacional
Fundadora da Humanamente
Apaixonada pela Ocupacão Humana como forma de expressar propósito e de transcender.
Para existir, uma estrela depende do olhar dos outros. É assim que David Zimmerman, no seu livro, os 4 vínculos, inicia o capítulo sobre ser reconhecido pelos outros. É, através dos primeiros olhares do outro que criamos a nossa identidade. Como disse George Berkeley, ser, é ser percebido, é ser (re) conhecido. Quando o “outro” não nos vê, não nos reconhece na totalidade, torna-se mais difícil aceitarmo-nos, vivermos em pleno, se há partes de nós que não foram reconhecidas pelo outro em idades precoces, vamos ter vergonha de quem somos. Quando algo em nós nos envergonha, sem sabermos porquê, tudo se torna motivo para não aparecermos, para nos tornarmos invisíveis.
Antes das redes sociais, quem tinha vergonha de si, desaparecia socialmente, só queria ser “normal,” pertencer. Hoje, as redes sociais permitem que a pessoa desapareça, mas o seu avatar é, frequentemente, partilhado até à exaustão, sendo que, quase sempre, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.
A raiz é a mesma, necessidade absoluta de ser-se aceite, tantas vezes sem se aceitar, e, por isso, só se mostra aquilo que se fantasia ser, o socialmente aceite: Partes de nós, que não nos definem, muito pelo contrário, que nos “deformam” e que nos acentuam o sentimento de desadequação.
Quando o vínculo estabelecido é o de reconhecimento, a aceitação é total, não há lugar para o estigma ou para o tabu. Somos. Inteiros. Enquanto escrevo este texto revivo, dolorosamente, a vergonha que senti durante quase toda a minha vida, por ser quem sou. Não me sentir confortável na minha pele e a sensação de não pertença, surgiu muito cedo no meu dia-a-dia, o olhar dos outros devolvia-me tudo, menos aceitação. O excluído, auto-exclui-se, o estigma que carrega (ou assim o imagina) desenvolve-lhe outras competências e estratégias, para que ninguém dê por ele. E, claro, influencia as suas escolhas e os seus caminhos. A minha sublimação veio através da procura de um significado, de um propósito, um sentido, mesmo nas situações mais adversas, como nas doenças mentais, nas pessoas que vivem com demência (haverá maior vergonha que a “loucura”?), é quando facilito essa busca, que me sinto mais inteira e autêntica. A vergonha impede-nos de ser genuínos, e de nos cumprirmos na totalidade, no entanto, reconhecermos o outro, validarmos o seu propósito, “obriga-nos” a sermos e a estarmos. Sou eu, quando tenho o privilégio de assistir ao (re) descobrir aquilo que é significativo, aquilo que faz transcender aquelas pessoas que já ninguém vê, porque se transformaram (aos olhos dos outros) no doente, no alienado, no demente.
Nestes processos, onde não entra a vergonha ou o preconceito e o estigma, o olhar de parte a parte só espelha reconhecimento e eu, ao reconhecer o outro reconheço-me.
A vergonha quase que me impediu de enviar este texto, mas termino-o citando Florbela Espanca, com um trecho do seu diário, esperando, ao contrário dela, ter tempo ainda, para me cumprir: “Não tenho nenhum intuito especial ao escrever estas linhas, não viso nenhum objetivo, não tenho em vista nenhum fim. Quando morrer, é possível que alguém, ao ler estes descosidos monólogos, leia o que sente sem o saber dizer, que essa coisa tão rara neste mundo – uma alma – se debruce com um pouco de piedade, um pouco de compreensão, em silêncio, sobre o que fui ou que julguei ser. E realize o que eu não pude: conhecer-me.
Em 1966 dei o primeiro grito de muitos, o primeiro choro de muitos. Foi em Mafra. Poucos meses depois, estava em Moçambique, onde os cheiros, as cores, a Natureza falaram mais alto.
As bonecas foram os primeiros alunos, dispostas lado a lado, viradas para o quadro de ardósia, sempre caladas, mas com muita atenção à lição.
Em 1989, na Secundária da Lourinhã, em vez de bonecas foram alunos “crescidos” , agitados, curiosos, que me puseram à prova e que me fizeram realizar a prova dos nove (coisas da minha geração!!!) e reforçar que era assim que eu queria os meus dias.
- Paulo Freire
Década de 90 do século passado, uma escola, um jovem. Chamava-se Diogo e apesar de estar no 2º ciclo, já tinha 16 anos. As lendas à volta deste jovem cresciam de ano para ano: violência, assaltos, porte de arma, agressões dentro e fora da escola.
A escola cumpria zelosamente a lei: suspensões, retenções.
Os seus colegas mais novos viviam aterrorizados e os professores suspiravam de alívio sempre que não tinham “a turma do Diogo”.
Este rapaz, um dia, quis falar do seu passado: mãe, vítima de violência doméstica, abandonou-o e nunca mais o contactou; pai alcoólico que o trancava em casa aos fins de semana, para sair com os amigos, deixando-lhe um pacote de batatas fritas.
Era debaixo da cama, onde o pai não conseguia chegar, que ele sonhava com a mãe, com comida, com os ténis iguais aos dos colegas.
Na infância, conheceu a violência física e psicológica, a fome, a indiferença dos outros, as ameaças, a vergonha, a tal vergonha que nos impede de pedir ajuda. Depressa aprendeu que se agisse como o pai conseguia roubar comida e os ténis aos colegas.
Teve de brigar, fingir que não tinha medo de nada nem de ninguém. Tinha tido um ótimo “professor” e depressa se tornou um agressor temível. Sabia escolher as suas vítimas, os seus alvos. Mostrava a sua superioridade física e exigia silêncio.
Aprendeu a fingir quando ao fim de semana ficava sozinho a imaginar que estava com a família, que tinha comida, atenção, carinho. Continuou a fingir que não lhe custava nada agredir e sovar os mais novos. Confundia respeito com medo (o pai deixara-lhe de herança essa confusão) e sentia-se bem quando pensava que na escola todos o respeitavam.
O Diogo foi institucionalizado e o ciclo repetiu-se: vítima – agressor – agora novamente vítima.
Onde estava a família do Diogo?
Onde estavam os vizinhos do Diogo?
Onde estavam os professores do Diogo?
Onde estava a sociedade?
Bullying não tem tradução para português, mas as causas e as consequências têm: ignorância, sofrimento, violência, medo, indiferença, injustiça, vergonha.
O bullying do Diogo era um pedido de ajuda, de proteção. O Diogo só queria ser amado!
Falhámos todos ao não permitir que o Diogo conhecesse o carinho e o amor de uma família.
I’m 30 years old and am in a happy place in life.
I get excited by imagery, especially faces, how they create emotions within us and what makes them beautiful.
My school notebooks are covered in more drawings of eyes, lips and eyebrows than actual notes, and today I use make-up to explore the satisfaction of looking and changing faces as the person who lives behind them re-interperts their own beauty.
I’m a quiet and self-monitoring soul. It’s both tiring and fun.
As a shy young boy, my interest in make-up was just another opportunity to isolate myself. I’d lock myself in the bathroom, build a new face for hours and stand to feel the power of it all: looking more like the icons I saw on MTV allowed me feel extroversion, social relevance and aptitude without having any, while hiding my acne made me imagine who I could be if I didn’t have that insecurity. I was aware that messing with an outer image somehow unlocked different doors inside our understanding of who we are. What I wasn’t aware was that this thing that I was taught was superficial, weird for my gender and a waste of time, was about to take me on a journey of exploring shame that lasts until today. As I washed everything off, all those doors would shut tight again as I turned the key to let myself out of the bathroom.
In high school I was still shy and didn’t have many friends, but as the girls in my class discovered the same power in eye pencils and concealer, I was given a chance to interact with them, because it was the only thing I could give advice on, the only time I felt comfortable touching someone else and the only excuse I could had to hang out with extroverted people and learn how to act like one. What an amazing tool! Unfortunately, make-up plays a role in gender, which made my human interaction rather selective. As soon as I was in a locker room at gym class or any other situation where there were no girls around…I went back to being irrelevant, and worse- to being the weird guy who couldn’t throw a ball and played with make-up. Hot shame buzzed in my head and to this day I still get uncomfortable when I am in all-male company. Ironically, I realize today that I have designed my life to never let that happen.
Yes, I do make-up for a living now and am always in a situation that allows me to interact in a safe space. I have learned how to pretend be social, even got pretty good at it. Masking my own shame is something I have developed, and masking other people’s shame is what I do for a living.
I never thought about it that way until I started doing it. At first, I thought my job was going to consist on acting confident for an hour at a time in front of a complete stranger; while I did this “painted by numbers” act I was already comfortable doing. I could do that – it’s so much easier acting out in front of a stranger.
Later, I realized that my clients were just thinking the exact same thing that I was- “can correspond to this person’s expectation of who I should be?”
Of course, it’s hard to correspond to anything when you’re just sitting still in a chair for an hour having someone address all of your flaws. Some women deal with this by making a disclaimer about their face, justifying why “they look so tired”. Others stay neutral and quiet until they feel brush strokes under their eyes while covering up dark circles (which I do in 99% of women). The triggered apology about the way clients feel they look is always about something I never would have guessed, because it never really shows in their wrinkles, dark circles or skin condition, just their expression. How their lives have been hectic lately, as if to say “I don’t usually look like this, I’m so sorry”- The introduction is always the same, but may follow with “I’ve been writing a book that was due yesterday so I stayed up all night working on it”, or perhaps “I’ve got a two month-old baby that I’m raising on my own and she’s been really restless”. I’ve also heard things like “I’ve been taking care of my father for the past two years, he’s had to remove a part of his lung and has had three surgeries to remove several metastasis”.
There’s more than just tiredness, of course. I once covered a woman’s black eye so her mother wouldn’t know she was hit by her husband. It’s hard to act strong when you’re having your story covered up, you can only do it after you’re out of the chair.
There’s a transformation that happens here that has made me stick to a job that would otherwise have bored me a while ago.
Between feeling shame and hiring someone to make you look the part so you can pretend there’s nothing to be ashamed of, there’s an emotional sweet spot that opens up a world of possibility. When you can’t hide something, you have two options. You can leave your body and pretend it’s not happening. Some clients don’t utter a single word during the process, and I join them in that- not everyone is ready to address their insecurities (I’ve done it so many times myself!). You can also do what I have described earlier- you justify why you look the way you do, even though no one commented on it, in a “I said it first, don’t judge me” sort of fashion. I don’t ever really have to start a whole conversation about this, I just smile and say “it’s alright, you look great for someone who’s experiencing that”- and let me tell you, I’ve never had to be cynical while saying it. Enduring hard times can change your face, but more often than not it’s your level of energy that changes rather than your facial features- and that has nothing to do with the way you look, it only has to do with the way you feel.
This useless feedback on my part just means: “Yes you’re human, already knew that. Welcome, there’s more of us here!” Make-up is just a costume. Underneath, we are all actors. “Paint me as a successful writer so I can go to present my new book.”; “Paint me like a mother who knows exactly what she’s doing and is doing fine without anybody else. Do you know what those look like?”; “Make me look like I still know who I am, I don’t want anyone to pity me over my father’s condition”.
To quote Brené Brown, shame needs secrecy, silence and judgement to survive. When make-up clients have that moment of vulnerability and these three elements die, we are no longer covering up, we are truly using make-up to enhance what we have.
This is a two way street- my inner insecure child that saw the people on MTV and tried to feel like them, realizes that these people, like my clients, were also humans, doing the best they could- and it makes me feel like one of them, no matter what I wear on my face.
Insecurity is part of our lives and it cannot be deleted. It can be accepted, invited in for a chat and perhaps powdered a little. We are all pretending to be like the people we were taught to be perfect, without realizing those people were already us, in a costume.
Costumes tell stories. We might not be our stories, but they can conduct how we feel every day. Wouldn’t that be a wonderful thing to master?
Viciada nos filhos, no trabalho e no chocolate
Apaixonada pela missão de capacitar empresárias
Autista com uma pitadinha de ironia
Ok, esta é a 6ª versão deste texto e posso resumir numa frase: ser autista é uma treta!
A sério! E se pensares nisso, percebes rapidamente: olhando à nossa volta, vemos julgamentos, críticas e pessoas a tentarem “encaixar-se”. O autista não consegue. Se não lhe faz sentido, não consegue.
Num modelo de sociedade em que anda tudo formatado para pertencer a um grupo, o autista é aquele estranho sem lugar definido.
Até porque ainda há a ideia errada de que o autista é aquele que se baba e bate com a cabeça nas paredes. Esses também podem ser autistas, mas não são os únicos. Ainda esta semana, ouvi a brilhante observação “quando o seu filho tem chamadas de atenção”.
As “chamadas de atenção” são reações por sobrecarga emocional. Tentei explicar que a expressão estava errada. Chamada de atenção, sugere que a criança está a precisar de receber atenção, amor, carinho, cuidado. Um autista com estereotipias (nome catita para comportamentos estranhos por cansaço ou sobrecarga), precisa de descanso. Se ainda vamos tentar “dar atenção”, pode dar asneira.
Também já ouvi milhares de vezes “ele estava um bocadinho inquieto, mas falamos com ele e ele percebeu”. Que é qualquer coisa como dizer que “o meu telemóvel não tinha bateria, mas já falei com ele e expliquei que preciso de fazer este telefonema”. Se não tem bateria, não funciona. Se o autista não tem mais “bateria” para aguentar o mundo dos “normais”, obviamente, nãoo vai conseguir fazê-lo.
E a condescendência!? A sério… a condescendência é que me encanita. Aquela postura de “eu não tenho nada contra autistas, até os acho boas pessoas”!? Oh pessoas, o autista é alguém que vê o mundo de forma diferente.
Por vezes não me apetece falar. Só isso. Apetece-me ficar em silêncio. Sinceramente, acho que muito boa gente fazia melhor figura se adotasse esta postura. Mas não, esforçam-se porque a sociedade espera que falem. Já desmarquei uma sessão porque não me apetecia falar.
Ok, talvez “apetecer” seja um termo caprichoso. Vou trocar: já desmarquei uma sessão porque ouvir-me falar era como espetar facas na cabeça. O som da minha voz agredia-me. Porquê? Sei lá eu. Sou autista, não funciono de forma habitual.
Já tirei férias (2 semanas) para ver 5 temporadas de uma série. Caramba… aquilo é que foi hiperfoco. (nome igualmente catita para traduzir uma espécie de obsessão, tendencialmente temporária).
(claro que este texto não tem como objetivo explicar de forma científica. Aliás, tem como objetivo abrir uma porta para que possam espreitar uma cabeça de autista).
Perguntam-me muita vez
“como é ser autista?”
e eu respondo sempre:
“sei lá, nunca fui normal”
para mim, o “autismo” é normal. É o que conheço, é como vivo desde que me tenho por gente.
Nos escuteiros, tinha vários miúdos com autismo e os pais tentavam esconder. Como se fosse uma vergonha. Mesmo anos antes do meu diagnóstico, isso nunca me fez sentido. Vergonha porquê? Eram miúdos espectaculares, apenas precisavam de cuidados particulares.
Uma delas, tinha de ter a comida separada. Ai de nós se lhe dessemos arroz de ervilhas ou coisa que o valha. As ervilhas de um lado, o arroz do outro. Outro, precisava de estar sempre a dar a mão a alguém. O toque ajudava-o a regular emoções. O que é que custa?!
Sei lá, parecia-me que complicavam coisas simples. Que complexo.
Até que foi comigo. Assim que recebi o diagnóstico da minha filha, senti alívio. Depois chorei, por medo pelo seu futuro. Depois percebi que nada tinha mudado, apenas tinha agora um papel.
Nesse mesmo dia, numa reunião com clientes, partilhei logo o diagnóstico. Estava leve e descansada. As reações que recebi, explicaram-me por que motivo os pais daqueles escuteiros me tinham mentido.
a pena
o julgamento
o nojo
eu não disse que tinha 3 horas de vida, disse apenas que a minha filha tem autismo. Mesmo assim, o “ohhhh” de desgosto e empatia. A miúda continuava a ser perfeita e maravilhosa, apenas percebi certas manias e necessidades. Foi ótimo.
O julgamento por eu não estar a chorar copiosamente. Há mães que ficam bloqueadas no diagnóstico e passam a viver para “resolver” o autismo. Outras ignoram e escondem. E depois há outras, estranhas como eu, que simplesmente avançam e respondem aos problemas que surgem… quando surgem. (e previnem os que são previsíveis).
Pois bem, estas mães como eu, são frias. Porque não choram pelo autismo papão. Ou são irresponsáveis, porque não abdicam da existência para servirem o autismo dos filhos. Fui criticada por ambas perspetivas.
Lamento imenso! Nunca me fez sentido. A minha filha é uma miúda brilhante e luminosa. Dava um erro em cada palavra que escrevia porque associado ao autismo tem mais umas quantas coisas como dislexia severa, disgrafia e outras coisas que tais. E mesmo assim, consegue ter conversas e perspectivas bem mais interessantes do que muito boa gente.
– mas ela tem de aprender a escrever!!
claro que sim! Mas é para isso que existem os técnicos. As mães servem para dar colo, amar, conversar, respeitar, observar, apoiar… tantas outras coisas. Não sou nem pretendo ser terapeuta da minha filha. Felizmente, este nível superficial de autismo não precisa de tanta novela mexicana à volta dele.
Mas a crítica constante. O meu filho usa roupas 2 tamanhos abaixo. Eu costumo dizer que ele parece um pobrezinho de Cristo. E tolera muito poucos tecidos e cores e formatos, sei lá. Resultado: tem umas 4 roupas de que gosta e são todas iguais. Parece que anda sempre com a mesma roupa e que ainda por cima é pequena.
As pessoas reparam. Comentam.
Que se lixe! A minha prioridade é o conforto dele. Já lhe basta todas as dificuldades que tem por ser autista, quanto mais ainda vestir-se para agradar aos outros. Naaaa! Anda lá vestido à pobrezinho de missão, meu filho. Sê feliz.
O autismo assim, meio ligeiro, não é o drama. Nem sequer é problema. Claro que somos estranhos em mil coisas. Faço coisas que põem as pessoas loucas. Mas isso tem mais a ver com o facto de serem umas chatas metediças do que com o autismo em si.
O autismo ligeiro não incomoda muita gente. Apenas quem escolhe fazer parte da vida do autista. Mas, então, não temos todos algumas taras? Quer dizer… o autista pode ter mais do que os outros, mas… nem por isso os “outros” são santos agradáveis e perfeitos.
Por exemplo: calções. Durante anos não consegui usar calças. Verão ou inverno: calções. Ui! Ouvi milhares de vezes “não tens frio?”, “vais ficar doente”, “eu não era capaz”. Tipo…. larga-me! Passei a dizer “tenho autismo” e as pessoas ficam tão desconcertadas que me largam.
Na altura, ainda sabia pouco sobre o autismo e até acreditei que usava os calções porque eram mesmo espectaculares: pernas livres, movimentos livres, nada a tocar-me!!! Mas não, era sensibilidade ao toque. Quando estou mais cansada, não consigo tolerar roupas apertadas nas pernas.
Ou seja, até tinha razão! Era mesmo pelo autismo… mas na altura, confesso, não sabia. Só queria que me largassem e como é um tema tabu para a maioria das pessoas, fugiam.
Ser autista é ter de ser estranho aos olhos dos outros, para se estar confortável.
Esta frase é complexa mas traduz bem o que sinto na maioria do dia: para viver confortável, tenho de ter pessoas a olharem-me de lado.
Lembro-me quando a minha primeira filha nasceu. Ela tornou-se imediatamente a minha prioridade absoluta. (até aqui, tudo normal) No pediatra e nas vacinas, dizia coisas como “então, por que é que a minha filha come que nem um animal?”
Ora bem, o choque, o drama, o horror no rosto das enfermeiras e auxiliares. “oh mãe, animal!?!? Um bebé tão pequenino!!” Sim, animal. Tal como eu e a senhora enfermeira. Somos animais racionais. A minha filha ainda é pouco racional, é mais instintiva. E come que nem um animal selvagem: com sofreguidão.
Nunca vi os meus filhos como “bebés pequeninos e indefesos”. Sempre os vi como super seres humanos em formação. E eu sou uma espécie de mentora/guardiã daquelas vidas. O que será que vão fazer? Quem virão a ser? Esta racionalidade choca e poderá gerar alguma vergonha.
Será que sou má mãe!? Será que sou estranha!?
Felizmente, recebi o diagnóstico quando já era uma mulher bem resolvida e plenamente feliz. (claro que tenho problemas, todos temos. Mas sou feliz mesmo com os problemas!) Se tivesse sabido que sou autista antes de estar bem, talvez isso me tivesse afectado.
Sei lá, ver as reações das pessoas… como se fosse uma sentença de inutilidade e infelicidade suprema.
É tão normal ser anormal. Aliás, quem quer ser normal? O que significa ser normal!? Significa seguir as regras da sociedade? A sociedade está podre! Queremos mesmo seguir essa receita!?
Parece-me que este texto deve conter algum drama para ser mais apelativo e cativar para a leitura. Estou a dar o meu melhor e adorava que fosse uma referência. (“li o teu artigo, adorei! muito interessante!”) Mas a verdade é que a vida é composta por factos. O que nos trama, é a interpretação desses factos.
Por exemplo:
O diagnóstico do meu filho perdeu-se algures no processo da escola. Para todos os efeitos, começou a ser tratado como “normal” na escola nova. Tratar igual o que é diferente, dá asneira. Obviamente. Um miúdo que precisa de silêncio, pouca agitação e ausência de toque, não deve ser abraçado, estar num recreio cheio de miúdos ou numa sala com crianças a gritarem.
Mas é a vida. E temos sempre conseguido gerir, com alguma flexibilidade. Falta um dia, para repôr energias. Falta à tarde, para recuperar. E a coisa vai andando. Mas, foi tratado como normal e a bomba explodiu.
E o que é uma criança que (literalmente) deixa de comer para dar aos outros, passou a ser visto como agressivo, mal-educado e outras coisas que tais. E foi tratado de acordo. Agarrado, levou ralhetes a gritar.
Uma criança que tem hiper-sensibilidade ao toque e ao som, recebeu gritos e foi agarrado. Obviamente, esperneou para se libertar. Ao espernear, atirou os óculos da Professora ao chão. Terão ficado riscados. Ao acalmar-se, foi ter com a Professora (cerca de horas mais tarde), sorriu e acenou, para avaliar a possibilidade de falar com ela. Está habituado a corrigir as falhas, os erros. A chegar-se à frente e resolver os problemas, mesmo os que surgem por cansaço.
Ensinamo-lo que o autismo é dele e não pode ser um peso para os outros. Temos de prevenir para evitar crises que possam incomodar ou pesar. Mas a verdade é que não é uma criança de 8 anos que consegue perceber que está a ficar sobrecarregado. Os adultos, sim, tinham esse dever. Os pais e a escola.
Mas foi o Tomás que deitou os óculos ao chão. Involuntariamente, apenas quando tentava libertar-se de algo que ele não tolera: ser tocado/agarrado.
O Tomás é autista, foi tratado como normal, reagiu como autista e ainda ficou com o rótulo de errado. Ninguém lhe pediu desculpa por não o ter percebido. Ninguém lhe explicou o que aconteceu. Em casa, falamos com ele, mas ele desvaloriza. A psicóloga tenta ajudar, mas com poucos resultados.
O Tomás acredita no adulto. Acredita que o adulto sabe, que é fiável e que é bom.
Por isso, o Tomás sorriu para a Professora e acenou, avaliando se podia falar com ela. E a Professora terá dito (ainda a falar mais alto que o normal) “ai agora já ris, é? Achas que está tudo bem?”
E por isso agora tenho o meu filho a perguntar-me “por que me deixaste nascer?”
E isto sim, é uma vergonha. Não é o autismo, o problema. É tentarem encaixar os autistas em formas de pessoas “normais” e esperarem que dê bom resultado.
É esperarem que “falando e educando”, o autista consiga tolerar gritos e toque.
Sou autista e sinto-me confortável, feliz e realizada. Os meus filhos são felizes, saudáveis e competentes. O meu marido é um híbrido de namorado e amigo, o que o torna apenas a pessoa perfeita para partilhar a vida.
Quantos “normais” podem dizer a mesma coisa? Então será que podem deixar de reparar se uso calções no inverno? Será que podem deixar-me em paz quando corto o meu próprio cabelo porque detesto que me chateiem para secar o cabelo no cabeleireiro?
Os autistas é que são anormais mas os “normais” é que se metem na vida alheia.
Talvez de repente este texto se tenha tornado politicamente incorrecto e sei que o tema é Shame mas… a verdadeira vergonha é camuflar o preconceito de empatia. Se queremos que um “anormal” faça as coisas de forma que o faz sentir desconfortável, só para “parecer bem”… isso é maldade.
Não temos de “parecer bem”, temos de ser bons. Úteis à sociedade, positivos para as pessoas com quem estamos. Temos de ter a capacidade de fazer a diferença, deixando o mundo um pouco melhor. Não temos de usar calças no inverno, pessoas.
É que este tipo de observações e exigências, faz com que os autistas fiquem desconfortáveis e comecem a funcionar pior. Se não prejudica e não incomoda, ignorem. Só isso.
É a melhor ajuda que se pode dar. O autista sabe o que precisa. Tal como uma grávida que sabe que precisa de uma sandes de nutella e picles e ninguém a chateia.
Sinceramente, parece-me que a verdadeira vergonha, é tratar o autismo como se fosse uma excentricidade.
Mae da Carolina.
Sobrevivente, resiliente.
Para onde olha consegue sempre encontrar beleza.
Gosta de cor e de gargalhadas cheias.
África no coração. Macau na alma.
Gosta de sol e pé na areia.
Eterna adolescente.
Professora, porque é importante.
Imagina que conseguias literalmente eclipsar a vergonha da tua vida…
O que é que farias com maior frequência?
Comer sem sentir vergonha, sair a rua sem pensar se vestir isto, fica-me bem? Pareço mais gorda? Mais magra?
O que é que passavas a vestir?
Calçoes e mini saias
O que é que terias sempre no frigorífico e na despensa?
Chips, snacks….
O que responderias a quem te criticasse?
Não me chateies!
O que é que te dirias ao espelho?
És super gira.
E agora imagina que tinhas uma máquina para mudar o passado:
Olhando para trás, o que é que não deixarias de fazer?
Teria ido mais a praia, nao me prenderia tanto ao que os outros pensam de mim.
Se pudesses dar um conselho à Carla mais nova ou a qualquer outra mulher que se identifique com o que escreves, o que lhe dirias?
Não leves a vida tão a sério! Nunca nada é eterno, tudo passa. Sê feliz porque podes escolher ser feliz!
Sou de vários espaços e tempos.
Adoro terra, vento, água e uma boa história.
Curiosa, interessada e eterna aprendiz.
Gosto de criar beleza, gosto de arte, design, móveis.
Gosto de fazer várias coisas, e muito de pessoas e de ligações entre elas. E de fazer desabrochar coisas novas.
Gosto de te ouvir, para depois escrever sobre ti.
Vergonha (do latim verecúndia) é uma condição psicológica e uma forma de controle religioso, político, judicial e social, consistindo de ideias, estados emocionais, estados fisiológicos e um conjunto de comportamentos, induzidos pelo conhecimento ou consciência de desonra, desgraça ou condenação. Geralmente, a vergonha é considerada um dos pilares da socialização em todas as sociedades. Ela é amparada em precedentes legais como um pilar de punição e correção ostensiva, está ligada à culpa, à tortura e ao embaraço.
Pesquisei o significado da palavra no Google e apareceu-me isto.
Uau, pensei. Não admira que eu sinta vergonha com coisas completamente diferentes, boas e más.
“Não tens cortinas em casa? Vê-se tudo cá para dentro.”
“Tens o cabelo tão encaracolado, porque já não o esticas?”
“Deixaste aquele trabalho óptimo?? Dá Deus nozes…”
“Ah essa saia é muito curta, tens pernas bonitas, mas…”
“Tu vê lá, esse vestido é muito justo.”
“Estás mais magra, tens de comer mais.”
“Estás mais gordinha, cuidado.”
Na vida vamos ouvindo frases como estas e tantas outras. E vamos sentindo vergonha, sem percebermos bem porquê. É algo que nos faz sentir pequenas, que nos faz querer sermos invisíveis, desaparecer dali, que nos traz rubor às bochechas, faz o coração bater mais rápido e transpirar até deixar manchas debaixo dos braços (outro motivo de mais vergonha…).
Que estranho este sentimento. A vergonha. E que poderoso. Ter vergonha de ter pernas bonitas, cabe na cabeça de alguém? Ou de não ter cortinas em casa?
Que peso incrível este que nos é imposto, que herdamos mal vimos ao mundo sem podermos escolher se o queremos ou não. Desde muito cedo, em crianças, apreendemos o peso da herança cultural, social, o que está certo ou errado, está certo dizer olá à amiga da mãe que vemos uma vez por ano, está errado desarrumar os brinquedos. Em adolescentes, está certo ter boas notas, está errado usar uma saia curta. E vamos crescendo de acordo com esta forma de controlo, que nos sufoca e nos tira poder e da qual é tramado sair. E chegamos à idade adulta e somos mais uma ovelha do rebanho. E muitas vezes, sem consciência disso, acabamos por fazer aos outros o que nos fizeram a nós. E sem nos apercebermos, sai-nos pela boca mais julgamento e preconceito. Passamo-lo às crianças. Perpetuamos este estado de controlo que é a vergonha. A nossa e a alheia.
Ou quando escolhemos um caminho fora do padrão somos “a ovelha negra”, “a rebelde”, “a que tem a mania que é diferente”, “a que quer sobressair”, e às vezes somos castigadas por isso.
Uma das coisas que faço profissionalmente é ajudar as pessoas a escrever os seus currículos e perfis de Linkedin. E o mais difícil é obter uma resposta a esta pergunta: “o que fazes realmente bem?”. Os meus clientes são maioritariamente mulheres entre os 35 e os 45 e a maioria não sabe dizer com segurança quais são os seus talentos. “Vai soar mal” “Vou parecer convencida” “Não sou muito boa a falar de mim”… diretoras de marketing, advogadas, médicas, engenheiras, designers, gestoras, mulheres adultas e com trabalhos de muita responsabilidade transformam-se em crianças de 5 anos perante esta pergunta…
Tenho 48 anos e só com o confinamento de 2020 é que assumi os meus caracóis. Estico o cabelo desde os 15 anos… Há 33 anos!… Só com o mesmo confinamento passei a andar sem maquilhagem e até sem brincos (“que vergonha sair à rua sem brincos!”). Só a partir dos 40 comecei a tomar consciência do quanto tenho condicionado o meu comportamento ao que os outros possam pensar.
Enquanto em nós o certo e o errado da sociedade falarem mais alto do que os nossos próprios princípios e valores, sim: haverá espaço para a vergonha.
Aceitarmo-nos, ganharmos consciência, perdoarmo-nos. Tudo isto é necessário para que possamos viver sem vergonha. E é absolutamente vital que o façamos. O mundo precisa de humanos mais genuínos, mais bondosos, mais atentos uns aos outros, mais tolerantes. Façamos, cada um de nós, a nossa parte.
Psicóloga da Alma
Consultora Macrobiótica
É na união das duas que confio na transmutação do indivíduo, seguida da família, comunidade, sociedade e por fim do planeta.
Mentora de “Jejum e Espiritualidade”, 10 dias de metamorfose.
É numa taça de arroz integral com nirá que alcanço a estação do meio.
Que possamos todos atingir o nosso maior potencial humano.
Acredito que o futuro da Humanidade passa pela alimentação.
Cresci a falar com Deus. Eram conversas curtas e íntimas.
Sabia perfeitamente que caminho seguir. Se para a frente, se para trás. Pedia-lhe pistas e ele dava.
Depois a minha avó morreu e passei a falar mais com ela. Uma vez ouvi-a dizer no meio do escuro do meu quarto… Não te preocupes podes confiar, nunca te vou enganar.
A seguir, exatamente no momento em que dei à luz, a crú, o meu primeiro filho, passei a falar diretamente comigo. E, ao segundo filho, na banheira da minha casa, soube exatamente do que era capaz.
Afinal, sempre fora a minha intuição. Convicta e firme. Comandava o caminho fosse lá por onde fosse. Enfrentasse eu quem quer que fosse.
Assim de rompante, decidi aprender psicologia e tinha de ser clínica. Queria estar lado a lado com o outro. Descobrir onde ele se tinha perdido. Levá-lo de volta a casa.
A primeira vez que o fiz levei um raspanete da minha supervisora. Só podia estar com o utente num determinado momento, numa determinada sala. Teria de haver uma reunião antes. Teria de ter anotado tudo e em discurso direto depois.
Achei aquilo tudo uma perda de tempo e tremendamente aborrecido. É que há momentos para tudo e aquele ficaria perdido no meio de tanta razão e insegurança.
Tudo começa no coração, não na mente.
É como fazer amor. Não se pode esperar por um determinado local, numa determinada hora. Não se fala muito antes, nem se fala tudo depois.
Estas regras não podiam ser as minhas. E na maioria das vezes, a minha descontração seria mal vista. As minhas ideias de cura e terapia mal aproveitadas.
Imaginem quando dei um abraço a um utente que vagueava pelo hospital de pijama às riscas azul e branco depois de termos bebido um café no bar dos “ malucos”. A supervisora ficou enraivecida, ao ponto de me deixar bastante preocupada com o seu estado de saúde mental.
Fui-me embora.
Tentei durante anos dezenas de clínicas. Eram só um pouco melhor.
Numa, pediam-me para fazer psicoterapia em 20 minutos sempre que o cliente vinha de uma seguradora ou acordo qualquer.
Noutra, não podia ver a mãe e a filha ao mesmo tempo, tinha de marcar uma consulta para cada uma.
Havia outra, em que não podia deitar-me ou sentar-me no chão com a cliente.
Noutra, nasciam reuniões atrás de reuniões onde se discutiam queijos alentejanos ou de castelo branco, manicures e cores tendência.
Era um outro tipo de perda de tempo e aborrecimento.
Uma vez faltei a uma destas reuniões e fui para a praia, estava imenso calor. Telefonei a dizer que ia faltar e porquê. A diretora da clínica ficou furiosa comigo e confusa, conseguira deixá-la a questionar-se se não estaria melhor na praia.
Na semana seguinte quis ir à praia comigo.
Nisto avancei com o meu próprio consultório. Com as minhas regras.
Se decidirmos que é melhor darmos um passeio pela arriba, passeamos.
Se decidirmos que preciso entrar no carro da minha cliente para trabalharmos os seus medos da autoestrada, conduzimos..
Se decidirmos que hoje é para gritar em resgate da menina outrora perdida na sua ancestralidade, gritamos.
Se decidirmos que é para ir a casa porque os delírios estão assustadores, bato à porta.
Se decidir mandar um livro pesado para o chão para impactar um casal em discussão, faço um estrondo.
Se decidirmos que é dia de deitar na marquesa e fazermos um alinhamento energético, brilham mantras e incensos.
Se decidirmos que é preciso aprender a cozinhar os alimentos certos para aquelas emoções, voam tachos e panelas.
Se decidirmos ir dar um mergulho em cuecas as duas, mergulhamos as vezes que forem precisas.
Porque a psicologia é o estudo da Alma. A melhor mensageira de todas.
Para ser louco e livre há que ser responsável. E ser feliz é, também, poder fazer o que nos apetece quando apetece.
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