It was a warm day, one of those typical ones in the South of Portugal in which Spring starts to mimmic Summer.
The church was fresh and less austere, that day: waiting for the confession, the girls and the boys were lined orderly, but the inevitable cackle and laughter was there, too.
The boys were dressed as princes and most of the girls were dressed as princesses or little brides, with their white long dresses and their veils. I was the only exception. My mother had created a different attire for me: a little white tailleur in which the knee length skirt and the elbow length coat had embroidered daisies. No veil, no gown to stumble upon, just my crown of little daisies combined with my ensemble and white shoes. I must say I loved to be different: in my seven-year-old mind those dresses felt like too-much, like a kind of imprisonment that I did not want to be in.
The line of children was moving towards the confessionary. We saw the girls and boys getting into ‘the place’ and saw them come out, solemn, relieved expressions covering their faces. We were all worried about one significant part of the confession: the moment in which the priest will ask us about our sins. One of my best friends asked me:
‘What are you going to say?’
‘No idea’, I answered.
We then decided to ask one of the boys ahead if he knew what ‘was being said’. He said:
‘Oh they’re all saying they disobeyed their parents.’
We sighed in relief: here was an easy sin to be confessed.
The line went on, and finally I entered the confessionary. I can’t remember the priests’ voice, I just recall articulating the very same sin as everyone else, and the answer that came from that strange, dark box: allegedly my sins would be erased from my ‘record’ by praying seven Hail Maries and two Our Fathers. It felt quite awkward. I remember receiving the consecrated wafer with some questions on my mind:
Why did I have to say I was a sinner although I did’t feel like one?
How was it possible to be redeemed just with 9 prayers?
And
If God was almighty, omnipresent and wise, how could he not foresee my lie?
More so, how could a priest that had been fooled by so many children, speak for God?
I grew up disliking the concept of sin and, especially, how arbitrary and profoundly dependant of human criteria it was. Look at all the women in History that have been condemned on the basis of being judged as sinners. Look at all those who still are today, because of religion, or for the things they do that disturb our status quo or simply our self-worth.
In the most religious month of the year, we bring you the concept of SIN and eight women who have courageously decided to talk about it: a nun, an ex-prisoner, an ex-model, the owner of Bijoux Indiscrets, a call girl and our team’s vision on sin. I sincerely hope they will bring some enlightenment to you or, at the least, give you a different perspective for the new year.
Merry Christmas and a Happy, Free-er, New Year.
Envy is still too common among us, women; and is one of the most harmful ones. It goes hand in hand with jealousy and the competition that has brought women against each other since the beginning of times.
Sometimes very subtle and hard to spot, it disguises itself in many ways; therefore, it can be very hard to confront. However, our intuition never fails and, usually, a bitter feeling or a pinch at the heart are pretty good predictors of an envious person around.
The antidote? Trust your gut, make space, reinforce your boundaries: when it comes to envy, better step out of the way, for your own sake.
É um conceito novo para mim: a inveja.
Diz que há a da boa e a da má.
Eu acho que é tudo igual. E é mau.
“Inveja deriva de INVIDERE: colocar mau olhado”.
Significa também: “desgosto pela felicidade alheia”.
Não entendo o que pode justificar maldizer, “malfazer”, “mal-olhar”, criar mentiras ou intrigas, histórias que prejudicam alguém só porque sim.
Porque “tem uma vida melhor do que a minha”, porque “tem um cabelo melhor do que o meu”, “tem coragem para sair de uma vida que não lhe faz bem”…
Já reparaste que os motivos de inveja são situações que outra pessoa vive ou experiencia ou coisas que possui que eu comparo com as minhas e que, aos meus olhos, são melhores do que as minhas?
E já reparaste que, não contente com a constatação que se segue à comparação, eu ainda preciso de maldizer, maltratar, mal-olhar o outro para me sentir bem?
Que coisa estranha, a inveja. E que perda de tempo!
Já é hora de evoluirmos, como humanidade, não acham?
Pai nosso que estais no céu,
Já reparou que Maria é cheia de graça?
Oiça esta confissão, e no fim, transite-me em julgado.
Sei que não é a luxúria ou a inveja o que nos castiga.
Sinto que não é a ira que nos levará ao inferno.
Nem a ganância sequer.
Nos pecados, vejo gula, vaidade ou preguiça e chamo-lhes Vida, da boa.
Serei uma cristã perdida e irrecuperável? Talvez sim. Perdoe-me, porque pequei
Mas sinto sempre que há um pecado maior que nos condena.
Que nos coloca em julgamento.
Que faz levantar o sobrolho do mais próximo.
Que faz desconfiar o mais certinho dos certinhos.
Oh, Diabo, falo da… alegria.
Não a felicidade, por si só. Contida.
Falo da alegria. Da mais pura alegria. Da puta alegria.
A que nos permite falar alto e dar um salto.
E esbracejar e rir de boca aberta até à glote.
A alegria que liga o botão de dançar de forma exagerada.
De correr de braços no ar. De gritar. Gritaaaaaar!
A alegria que faz de uma mulher, não feliz, mas histérica.
Não séria e por isso pouco credível.
Não séria, e por isso, parvinha.
Está em desuso, estar alegre.
É condenável andar na rua assim, leve.
Quem está alegre, está louco.
Quem está sisudo, está bem.
Perdoe-me Senhor, mas venha a nós o vosso reino e veja com os seus próprios olhos.
E já agora, traga Maria, que bendita é entre as mulheres.
Aqui, até podemos ser senhoras do nosso nariz, mas há que estar tenso e cabisbaixo, porque há cá dramas.
Há que ser coerente com a tragédia que assola o nosso fado.
E por isso, hey!, acalmem os cavalos. Nada de grandes alegrias.
Calminha, minha senhora.
Para já, sejamos terra-a-terra e só assim, iremos parar ao céu.
Ámen(a cavaqueira).
Sou uma eterna fascinada pela simplicidade das coisas e pela imensa complexidade humana.
Adorava ser bióloga marinha.
Sou defensora dos direitos dos animais.
Vegana.
Humana de uma bull terrier e de três gatos que me adoptaram.
Adoro cozinhar.
Adoro ser mulher.
Acredito numa liberdade de “core”, que se sente e que se vive. Vivo fiel a essa máxima e defendo com unhas e dentes o direito à igualdade sem “mas”.
Luto contra o pleasure gap e defendo o nosso direito ao prazer sem estereótipos de género.
Sempre tive uma relação amor-ódio com o conceito de pecado. Se, por um lado, me fascina como mecanismo de controle social que resiste ao passar do tempo, por outro parece-me um conceito mais próximo da ficção do que da nossa realidade em pleno século XXI. No entanto, é nas pequenas (grandes) coisas que vemos como certos conceitos sociais têm um efeito devastador nas nossas vidas. São tantas as regras “silenciosas” que nos travam e anulam, muitas delas construções patriarcais para condicionar o nosso desejo e prazer enquanto mulheres.
A nossa sexualidade é algo para ser vivido, celebrado e sobretudo, desmistificado, defendido e desfrutado em igualdade.
Esta construção social que nos representa, a nós, mulheres, mais dignas, mais válidas, tanto mais respeitadas quanto mais “castas” tira-me do sério. Esta dupla moral que avalia com pesos e medidas diferentes se és homem ou mulher. Por acaso o meu valor estará relacionado com a forma como vivo a minha sexualidade? E por que razão o meu desejo e prazer são tão assustadores e ameaçadores para a nossa sociedade?
Todas as ferramentas de controlo como a culpa, a vergonha, o medo, não servem para outra coisa que não seja para a frustração pessoal e o perpetuar da desigualdade, usadas para controlar as mulheres e remetê-las a um papel de seres cuidadores e reprodutores, quase assexuados.
O prazer em qualquer das suas formas é sempre pecado: a gula, a preguiça, a luxúria… e isso dá que pensar, não dá?
Somos seres criados para o prazer, mas vivemos uma vida de pequenos sacrifícios, muitas vezes auto-impostos. Não somos capazes de vê-lo para desconstruí-lo e libertar-nos.
Estas regras “silenciosas” fazem com que deixemos a responsabilidade do nosso prazer nas mãos do outro e que reclamar o nosso direito ao prazer seja considerado um acto de rebeldia, um ataque ao patriarcado, acto esse necessário para libertar-nos e devolver-nos o direito a desfrutar e a sentir, sem temer ser julgadas e discriminadas pela nossa sexualidade.
Exploremos e conheçamo-nos mais, num exercício empoderador.
Libertemo-nos dessa formatação heteronormativa, patriarcal, libertemo-nos do estabelecido, reeduquemo-nos e entendamos como funcionam os nossos corpos e o nosso prazer. Entendamos o sexo como prazer e conexão e não como obrigação ou pecado.
Exploremos sem vergonha nem culpa, deixando de lado tabus, mitos e anos de repressão.
É urgente libertar-nos de estereótipos criados pela pornografia, da repressão social fruto de uma sociedade “católica” e conservadora, é urgente sentir mais e actuar menos, deixar de estar concentradas em satisfazer o ego do outro, usando o nosso falso prazer para agradar.
Sejamos honestas connosco mesmas e reclamemos o nosso direito ao prazer!
Nasci em 66, sou Mãe, Madrasta, Madrinha, e o que mais me encanta são as pessoas.
Na minha vida fui Modelo na década de 80, depois Manager de muitos dos nomes sonantes da nossa praça, construí de raiz Eventos e Projectos que marcaram quem neles participou, e o meu lema de vida é: viver com a consciência que estamos a construir as nossas memórias.
Adoro cozinhar e caminhar ao ar livre.
Ana, quem como eu viveu a adolescência e a idade jovem-adulta nos anos 80-90, lembra-se muito bem de ti, enquanto modelo. Fazias parte de uma geração de mulheres extremamente bonitas que ocupavam as nossas revistas e a Publicidade. Como surgiu essa profissão na tua vida?
Venho de uma família tradicional, católica, sou a mais velha de 3 irmãs e a primeira neta do lado materno o que tatuou em mim uma carga que eu não tinha consciência alguma, uma noção de responsabilidade gigante para com o meu rebanho, um sentido de matriarcado, de saber orientar os outros, o que era impossível porque eu nem de mim sabia tomar conta. Era maria rapaz, andava de skate e de joelhos esfolados, tinha borbulhas e roía as unhas. Queria ser psicóloga, poderia ter sido bailarina mas o meu pai nunca permitiu porque dizia que as bailarinas só comiam uma maçã por dia. Ele lá sabia…
Quando eu tinha 18 anos, a minha mãe inscreveu-me num curso de modelos, acho eu que foi para me animar. Fiquei pasmada por me terem aceite, eu nunca tinha calçado uns saltos altos, nunca me tinha maquilhado, mas encarei o curso como experiencia lúdica. E sem planear, fui contratada para um primeiro trabalho, depois outro, e quando percebi tinha uma nova vida, ganhava o que nunca imaginei, viajava, e fazia parte de um grupo de profissionais de elite, o que me deu uma nova segurança. Eu era a mesma pessoa, numa nova versão. Foi espetacular!
Como encaravas esta profissão? Era algo que fazias com prazer ou apenas uma maneira de ganhar dinheiro?
Confesso que não tive tempo para refletir no processo, “apanhei a onda” e fui-me adaptando, crescendo enquanto pessoa. Percebi que tinha uma ferramenta que nunca tinha sido valorizada, que eu era a ferramenta, que ser bonita era um valor. Mas o melhor de tudo é que me divertia com o que fazia. Adorava desfilar, nem tanto a relação com a câmara, incrível mesmo era o impacto com as luzes e com o publico na passerelle, a adrenalina no início de um desfile, ouvir a música e dar o primeiro passo. Foram tempos incríveis, eu fazia parte de uma tribo de manequins (expressão que caiu em desuso), eramos uma espécie de artistas de circo, fiz amizades que são pilares na minha vida. Quanto ao dinheiro, confirmo: ganhávamos muito bem para a realidade que se vivia em Portugal nos anos 80.
Vi e vivi muito, e as coisas mais feias que experienciei aconteceram fora do ambiente profissional. Quando surgiu o movimento #metoo, falei com os meus botões: uiiii se eu abrisse a boca. É que que eu fui educada com um sentido de ética e missão, mas também com uma regra: certas coisas não se dizem, nem se contam. Hoje isto faz pouco sentido, mas eu sou antiga…
A primeira vez que senti que “algo não estava bem” tinha 8 anos, foi no colégio com um padre. Fiquei quieta, sem saber o que fazer, petrificada enquanto ele me acariciava. Depois teria uns 12 com alguém a quem chamava tio, pai de amigos. Aos 15, novo episódio, com outro pai de amigas próximas. Isto criou em mim um radar, estava sempre atenta e alerta para saber quando me pôr em fuga. Poderia dizer que falhou na minha educação a preparação para estas situações, talvez, mas não se falava nestes temas.
Hoje falo com os meus filhos sobre muitos assuntos que eram tabu na minha altura, sobre manipuladores, predadores, bullying, sexo, drogas, eles não gostam mas eu sei que se forem confrontados com quadros desconfortáveis vão pelo menos saber identificá-los e, espero eu, saber decidir como atuar.
Uiiiii entramos aqui na verdadeira questão.
Recentemente, descrevi uma certa pessoa da seguinte maneira: é como se fosse um semáforo, tem um magnetismo que hipnotiza, e não conseguimos desviar o olhar.
E esta descrição é minha, alguém habituadíssimo a lidar com a beleza. Esta é a minha visão daquela pessoa, agora imaginem o efeito no comum dos mortais deste ser humano.
Sim, a beleza pode ser um fardo, pela reação que provoca no outro. Porque sem querer, quem é belo, sem nada fazer, aciona uma série de campainhas ao seu redor que o vão colocar em situações que não quer. Não consegue passar despercebido, e tem que aprender a dizer que não constantemente, o que é difícil.
Não tem culpa quem é, e não tem culpa quem reage. A nossa educação valoriza e destaca a flor mais bela, o gatinho mais branco, o bebé mais perfeito. E se fomos educados com esses valores, eles são-nos naturais, mas quando passamos a ter consciência temos a obrigação de saber “lidar” com certas situações. Por exemplo, quando vemos um famoso, há quem não resista e fique hipnotizado, e há quem lide normalmente com essa presença. Sabermos gerir as nossas emoções, as nossas reações, com consciência, é sinal de maturidade.
Adorámos uma frase que escreveste no email em que aceitaste fazer parte desta edição: “É que eu ando intrigada como o meu envelhecimento incomoda as outras pessoas. Eu estou bem, mas sinto um constrangimento quando num encontro me olham e sem falar eu leio “que gira que ela era…” Queres elaborar sobre isto?
É nu e cru o que sinto. Eu era mesmo gira, mas nem sabia, portanto não valorizava. Também eu tinha “um semáforo” permanentemente ligado. Durante muitos anos a visibilidade publica fez parte da minha realidade, aparecia regularmente nas revistas e TV. Aconteceu o fim de um ciclo profissional e pessoal abrupto, e optei por me resguardar. Passou uma década e hoje tenho 55 anos, alguns cabelos brancos e as rugas da vida. Não vou fazer operações estéticas à cara, e essa opção incomoda muita gente. É coerente com a minha pessoa, com o meu percurso, comigo. Eu sou esta pessoa e gosto de mim assim.
Trabalho como formadora na área comportamental com empresas, e sou professora de Moda na World Academy onde apaixonadamente ensino jovens de todas as idades. ADORO o que faço, e o meu percurso é a minha maior riqueza, tenho mil e uma histórias reais que partilho nas formações. Ensino as pessoas e organizações a olhar para si próprias, a mergulhar no eu verdadeiro, a limpar excessos e trabalhar a imagem e atitude com consciência. Porque a nossa imagem conta uma história, e somos nós que a construímos.
Esta sensação incomoda-te? Faz-te de algum modo questionar o teu valor, quem tu és, a tua essência?
É impossível agradar a todos, o que me interessa são as pessoas com quem eu tenho uma relação real. Quem vem a minha casa e para quem eu cozinho, com quem eu desabafo ou caminho. Os meus programas prediletos envolvem arte, cozinha, ar puro, música, ecologia, e ação social. Sou uma apaixonada por cinema, museus, e processos criativos. Conhecer um jovem promissor, seja em que área for comove-me, a evolução e o seu processo é o que me alimenta.
Tu és uma apologista da beleza natural. Mas vivemos rodeadas de estímulos e mensagens que nos falam de anti-aging, e dos 1001 artifícios para evitar o envelhecimento. Envelhecer é pecado?
Envelhecer é crescer, e é lindo… Sempre disse que me imagino com 80 anos, de cabelo lilás, numa cadeira de verga na Madeira (de onde é a minha família), a beber um gin, e a ver o mar.
Lutadora Direta Otimista
Tolerante Perfeccionista
Ama a vida
Eterna Amante
Pecadora
Podes contar-nos o que te levou à prisão?
Tudo começou quando tinha 17 anos e namorava com um rapaz que consumia heroína.
Para mim era um mundo novo, não conhecia ninguém no meu círculo de amizades que consumisse heroína injetada.
Na altura tinha começado a trabalhar, ele também trabalhava, mas muito depressa o dinheiro dele acabava e vê-lo ressacar era muito complicado para mim, não sabia o que fazer e, como era comum na altura, pensava que se lhe desse dinheiro, ajudava-o. Mas quanto mais consumia mais queria consumir.
É lógico que o dinheiro dele acabava depressa e daí até eu gastar o meu era um instante. Na altura usavam-se cheques e eu comecei a passar cheques – naquela altura os dealers que lhe vendiam a droga aceitavam produtos alimentares, como bacalhau, camarão, ou outros produtos e os meus cheques rapidamente começaram a ser passados em supermercados, facilmente desaparecia um livro inteiro com 25 cheques.
Mas eu não tinha valor suficiente para cobrir os montantes em causa. Foi muito rápido até os cheques começarem a ser devolvidos, as cartas a chegar a casa, e eu – miúda – comecei a ficar com muito medo, medo dos meus pais, medo do que podia acontecer e fiquei sem ajuda porque, entretanto, acabou o namoro.
O valor ainda era alto para a altura, um dia em conversa com uns “amigos” falei sobre o assunto porque estava muito assustada e eles mencionaram que também tinham alguns problemas. E decidimos fazer um assalto a uma casa. A intenção era assaltar e nada mais, mas não foi isso que aconteceu – sem ser premeditado, aconteceu o homicídio.
Como era um dia ‘típico’ na prisão?
A prisão de Tires antes era uma cadeia só de mulheres com 1 pavilhão de preventivas e os outros 2 de condenadas.
Acordava às 8h para higiene pessoal e como não havia casa de banho nas celas usava um balde tipo hospitalar para qualquer necessidade que tivesse durante a noite, esse balde tinha de ser higienizado de manhã. Logo a seguir era hora do pequeno-almoço e voltávamos às celas para a contagem onde tinha de estar vestida à porta da cela. Ninguém ficava na cama, só se estivesse doente. Quem não trabalhava ficava na sala de convívio ou num recreio.
Eu sempre trabalhei em teares, fiz tapetes de arraiolos, tirei um curso de secretariado – após a contagem da manhã ia trabalhar. Antes do almoço havia nova contagem e a seguir ao almoço tínhamos um intervalo e voltava ao trabalho. Saía por volta das 17h onde podia fazer algumas compras no bar, fazer a minha higiene e depois ia jantar. Por volta das 20h havia nova contagem à porta das celas e as portas eram fechadas – tudo funciona com toques de campainha. Depois, dependendo se tinha visitas ou não, no fim de semana não havia trabalho e esse tempo ou era passado numa sala de convívio, ao ar livre ou então podia ficar fechada na cela.
Como ocupavas o teu tempo?
Sempre trabalhei por isso durante o dia estava ocupada, aos fins de semana quando estava fechada lia, fazia bonecos de peluche que vendia depois, ouvia música que me dava uma força e uma energia que me ajudava a enfrentar os meus dias. Quando estava bom tempo ia até ao recreio para respirar um pouco de ar puro e sentir o sol. No inverno normalmente tinha visitas e depois ficava na sala de convívio.
Que dificuldades sentiste?
Para mim a maior dificuldade foi na primeira vez que saí, enfrentar as pessoas que me viram crescer – família e vizinhos – senti muita vergonha por tudo o que tinha acontecido, mas nunca, nunca me marginalizaram, pelo contrário, sempre me apoiaram. Por outro lado, eu já tinha começado a minha integração na sociedade porque tirei um curso numa IPSS – saía todos os dias de Tires e voltava à noite, após terminar o curso. Penso que deviam existir mais entidades como esta porque ajudam na integração na sociedade – a mim ajudaram-me a encontrar uma empresa onde trabalhei até sair da prisão e onde continuei a trabalhar por isso quando saí já estava integrada na sociedade. Não senti dificuldades, isto porque os meus pais sempre me levavam jornais, tinha precárias onde saia por vários dias e outras de 48h.
Ainda as sentes?
Não sinto nenhuma dificuldade, sinto-me uma pessoa perfeitamente integrada na sociedade. Não podemos deixar que o nosso passado seja uma âncora, que nos amarre e não nos deixe avançar, ele deve ser um farol para nos iluminar o caminho.
Como te mudou a experiência de estar presa?
Estive muito tempo sozinha, fechada sem poder sair e na prisão aprendemos que a Liberdade é maravilhosa – não existe nada nem valor nenhum que pague a nossa Liberdade. Tenho uma família maravilhosa, os melhores pais do mundo, nunca me abandonaram, sempre me fizeram sentir amada e apoiada. Temos de aceitar as consequências dos nossos atos, estar presa não me mudou, sofri muito e cresci no pior sítio que existe, onde existe tanta gente mas onde me sentia sozinha.
O que farias de diferente, se, sabendo o que sabes hoje, pudesses voltar aos momentos antes do motivo que te levou à prisão?
Se pudesse voltar atrás teria falado com os meus pais, teria contado tudo e assim como ficaram sempre ao meu lado e nunca me abandonaram, teriam feito a mesma coisa, ter-me-iam apoiado e eu resolveria a situação dos cheques e não chegaria ao ponto a que cheguei. Mas quando somos adolescentes temos sempre uma ideia errada dos nossos pais, achamos que conseguimos resolver tudo sozinhos, mas estamos errados – ninguém nos ama tanto como eles.
Estiveste 15 anos presa. Que mudanças observaste no mundo exterior quando saíste? O que te surpreendeu e o que te deixou saudades?
Quando saí, nem todas as mudanças foram positivas, o aparecimento do HIV, um aumento do uso de drogas por parte de jovens, um aumento de extremistas e muita guerra. Senti as pessoas mais distantes umas das outras, mais individualistas e muito superficiais, com uma necessidade consumista enorme, vi uma sociedade mais egoísta, menos empática.
Por outro lado, o que mais me surpreendeu foi a evolução tecnológica: computadores, telemóvel, internet, fascinante, tudo muito novo, muita coisa para explorar e aprender.
Muitas vezes só damos valor a certos momentos quando deixamos de os ter e eu tinha muitas saudades de poder estar com a família, poder andar, sentir o vento, ir à praia ver aquela imensidão do mar, sentir o cheiro da brisa, dar um mergulho que nos limpa a alma, nos revigora e nos dá energia… Sentia saudades de ser Livre.
O que é o pecado para ti? Essa noção mudou em ti, depois da prisão?
Eu sou católica, acredito em Deus e na minha fé o pecado é a transgressão aos mandamentos de Deus, e eu pequei porque transgredi os seus Mandamentos, também sei que Deus já me perdoou e sei que Ele está sempre comigo.
Mas nem tudo é tão linear quando falamos em pecado, existem alturas na nossa vida em que estamos bloqueados e a nossa capacidade de discernimento é anulada pelo medo que sentimos e aí não estamos a distinguir o bem do mal, o certo do errado, se estamos a praticar algum pecado ou não, simplesmente tomamos decisões influenciadas pelo ambiente em que nos encontramos e com base em sentimentos negativos, como se não existisse outra solução sem ser aquela.
Na vida todos temos bons e maus momentos, não podemos simplesmente dizer que não faríamos assim, ou que faríamos de maneira diferente, porque não sabemos o que levou aquela pessoa a praticar certos atos, existe uma história de vida em cada um de nós. Nós não somos só aquele momento.
Vivemos num estado de direito onde existem regras e normas que regulam o comportamento do homem em sociedade e quem não as cumpre tem consequências punitivas. Como cidadãos temos de assumir os nossos erros e aceitar essas mesmas consequências.
Mas a sociedade tem tendência a ser a mais punidora, no entanto cada um de nós devia fazer uma introspecção e quem nunca pecou atire que a primeira pedra.
A vida é como uma luta de boxe, podemos cair, mas levantamo-nos e continuamos a lutar.
Lamento que o Estado e a sociedade não sejam um dos motores da diferença, em vez de julgar, deveriam apoiar e reabilitar quem caiu para ser inserido na sociedade e contribuir para o crescimento da mesma – todos temos o nosso valor.
Licenciada em Gestão pela Universidade Europeia
Fotógrafa Retratista
Hobbies: Ginásio, Praia, Surf
Acompanhante de Luxo
Web: www.patricia-ferrer-escort.pt
Adoro um bom Debate sobre Política e Temáticas Fracturantes.
Altruísta, defensora de todos os direitos fundamentais.
Activista pelos Direitos LGBTI.
Contra todo o tipo de Preconceitos.
Sempre pela informação, desconstrução e desmistificação de todo o tipo de matérias fracturantes da sociedade.
Patrícia, como foi a tua primeira vez nesta profissão?
Antes de entrar nesta atividade, estive 1 ano a ponderar, com anúncios ativos nas plataformas, mas a falta de coragem e hesitação estiveram sempre presentes. Os Clientes ligavam, eu dava desculpas, faltava-me a coragem, sentia que ainda não estava preparada. Importa salientar que esta era uma nova realidade e não tinha referências, tão pouco conhecia alguém nesta atividade. Fiz o Debute completamente às escuras, sozinha. Tudo o que havia para descobrir, fi-lo sem ajuda de ninguém. Estava por minha conta e risco, sem rede.
Na minha primeira vez foi tudo muito estranho, como seria de esperar, mas esse desconforto logo se dissipou. A única diferença nesta situação é o dinheiro entrar na equação. Depois da primeira vez esse desconforto desapareceu por completo. Como dizia a Soraia Chaves no filme Call Girl, em que representava uma Acompanhante de Luxo numa cena com o Nicolau Breyner, ” Primeiro estranha-se depois entranha-se ” – frase que ficou célebre.
A opção por esta profissão deu-te poder?
É relativo. Em certos aspetos, talvez. Até porque uma Acompanhante de Luxo passa aquela imagem de mulher perfeita, segura, poderosa, é ela quem está no comando. Passa por aí mas não só. O que empodera realmente uma mulher é a sua personalidade, a postura, a atitude que tem. É aí que reside o poder de uma mulher.
Não tens medo?
Em matéria de segurança há coisas que são básicas. O medo é relativo. A experiência de vida já me leva a acautelar determinadas situações, depois o meu atendimento é exclusivo, faço uma grande triagem dos meus Clientes, sou bastante criteriosa, é muito difícil um Cliente entrar para a minha lista de Clientes, mas é possível (Lol). Depois, não promovo e não me coloco em situações de risco. Todas as minhas deslocações e eventos são em locais públicos. Nomeadamente unidades hoteleiras que obrigam à identificação, restaurantes, festas privadas, devidamente identificadas. Desloco-me sempre, única e exclusivamente, no meu carro ou Uber. Em viagens internacionais só acompanho Clientes que já conheço. Deslocação a apartamentos privados idem, só Clientes que já estão comigo há tempo suficiente e com quem já existe confiança mútua. Nestes casos o risco é nulo. Porém, não estou livre.
O que é para ti um date ideal?
O date ideal para mim, independentemente do programa, é privar com um cliente com nível, que me respeite, saiba estar e ter uma conversa de elevação, que me acrescente algo a nível cultural, de conhecimento.
Quais são os estados de alma comum às pessoas que te procuram?
Eu atendo homens, mulheres e casais. Pela minha experiência, todos me procuram pelas mesmas razões: procura de novas experiências, fugir à rotina, casamentos em desgaste. Os meus Clientes são maioritariamente Homens casados (99%) dos 32 aos 80 anos. A maior parte dos Homens é adicto ao sexo, aventureiro, o motivo é basicamente o mesmo em 90% dos casos.
Como separas a ligação física da emocional?
Como profissional, separo muito bem. Os homens para mim são a minha fonte de rendimento, vivo para fazer programas. Não sou uma amiga, nem amante, tão pouco estou disponível para programas fora do contexto profissional, faço questão de deixar isso bem claro. Importa salientar que, com os anos, nós profissionais acabamos por nos alienar de certas situações, penso que seja comum a todas, acabamos por nos tornar muito robotizadas. Se perguntarem a outras profissionais se querem estes homens para a vida delas, a maior parte diria que não. Eu, jamais.
Já o cliente, 90 % deles olham para nós como uma fonte para concluir um objetivo. Depois há os 10% fantasiosos e carentes que procuram envolvimento emocional, perdem por vezes os limites e acabam por se tornar inconvenientes e não percebem, mesmo explicando. Se me apercebo que um cliente está a ultrapassar essa barreira ponho logo travão, é simples.
É possível conciliar este trabalho com uma relação estável ?
Sim, é possível. Muitas profissionais são casadas e com filhos, e nada impede um bom relacionamento na base do respeito e confiança.
Porém, vivemos numa sociedade altamente redutora, com valores morais padronizados e todas as mulheres que fogem desse padrão são estigmatizadas a juntar à sua atividade profissional Acompanhantes de Luxo e nem sempre isso é possível.
Antes de responder em concreto não posso deixar de citar a Dra. Alexandra Oliveira Professora e Investigadora na Faculdade de Psicologia do Porto, cujos interesses de investigação se relacionam com o género e a sexualidade, tendo vindo a dedicar as suas pesquisas ao trabalho sexual, em particular à prostituição.
Num dos seus discursos disponíveis no you tube, deixa bem claro que esta Profissão está ainda muito estereotipada e altamente estigmatizada!!
Um relacionamento com uma Acompanhante é sempre exequível, obviamente que sim, eu já estive num relacionamento de 2 anos e meio enquanto Acompanhante de Luxo. Obviamente nem sempre as coisas correram bem, só depende da pessoa que estiver ao lado da profissional, só é possível se se tratar de uma pessoa com maturidade suficiente para lidar com esta realidade, respeitar e confiar. Também tenho de admitir que não é para qualquer pessoa. Tudo é possível na base da confiança, transparência e boa comunicação.
O que farias se te saísse o Euromilhões?
Sem hesitação, abria o meu Night Club, “Patrícia Ferrer, Gentlemen Club”.
Achas que algo deveria mudar na legislação ?
Em Portugal, a prostituição foi descriminalizada em 1982, deixou de ser considerada uma atividade ilegal. Mas também não passou a ser legal, uma situação que persiste até hoje. O Código Penal Português prevê como crime a exploração sexual, o tráfico de pessoas e a prostituição infantil, mas não pune as mulheres que se dedicam ao trabalho sexual. O tema é controverso e ainda não há unanimidade quanto à fórmula ideal para o nosso país, se a criminalização ou se a regulamentação.
Em 2018 no Programa da Júlia Pinheiro (Queridas Manhãs) fui convidada para dar o meu testemunho nesta matéria da legalização da prostituição em Portugal, a propósito de um debate em estúdio. Reitero o que disse, a legalização traz vantagens e desvantagens, é um tema bastante controverso. No meu caso em concreto é-me completamente indiferente.
Na sequência de uma petição apresentada por uma Acompanhante de Luxo portuguesa em 2020, encontra-se atualmente em discussão em sede de Assembleia da República.
Este trabalho mudou-te de alguma maneira?
A entrada nesta atividade mudou a minha vida para sempre e para melhor, em todos os níveis. Só lamento não ter iniciado mais cedo.
Ao longo destes anos tenho aprendido muito, tenho tido o privilégio de privar com clientes extraordinários. A aprendizagem na vida é transversal. Não posso deixar de referir a minha passagem pelo Night Club Elefante Branco, o mais Exclusivo de Lisboa, a importância que tem tido na minha vida como Profissional.
Sou uma Mulher muito bem resolvida, independente, gosto do que faço, assumo a minha atividade profissional com muito orgulho, o que os outros pensam é-me completamente indiferente. Tudo farei, do que estiver ao meu alcance, para informar, ajudar a desmistificar, desconstruir, acabar com todo tipo de preconceitos na nossa sociedade, seja contra as Profissionais do Sexo, seja em que matéria for.
Franciscana Missionária de Nossa Senhora.
Tenho 30 anos, sou Angolana, coordenei e geri um ATL em São Tomé e Príncipe e cheguei a Portugal em Junho. Sou estudante universitária em Ciências Religiosas na Universidade Católica do Porto.
Fiz formação Académica e Profissional em Contabilidade e Gestão e na área de Técnica Pedagógica.
Sou catequista em Setúbal a alunos do 7º ano e do 1º ano.
Sou voluntária na Cáritas, onde trabalho com pessoas sem-abrigo.
Gosto de trabalhar, cantar, dançar e ouvir música.
Gosto muito de ensinar os valores da fé Católica.
Desde pequena que me lembro de querer ser freira.
Gosto de estar onde a minha presença possa ser uma ajuda.
Desafiaram-me a escrever sobre o Pecado.
Na minha opinião, o pecado é uma falta contra a razão, a verdade, a reta consciência. É uma falha contra o verdadeiro amor para com Deus e para com o próximo, por causa dum apego a certos bens ou ideias.
A maioria das pessoas sabe reconhecer o pecado, mas não o assume.
Como é possível numa Igreja haver divisão? Pessoas que não se falam nem se sentam juntas? Cada pessoa é uma criatura de Deus. O pecado, de uma forma resumida, é o motivo da sua tristeza. O pecado é a ignorância da Fé. A fé leva-nos a ter a vivência do amor, é um dom de Deus que cultivamos com a Oração, com a Palavra de Deus, com o dia-dia. A fé é a responsabilidade que nós recebemos no dia do nosso Batismo. A responsabilidade de viver em Amor.
Para seguir a vida religiosa não me bastou dizer “Quero ser irmã.” Foi necessário um caminho de enamoramento com Jesus e uma boa avaliação da minha intenção. A partir desta profunda experiência para perceber a minha vocação, precisei de alguém que me orientasse: as irmãs, os sacerdotes e as catequistas.
Desde sempre senti uma grande atração pela vida consagrada, sobretudo quando via o meu tio-avó Bispo a celebrar a Eucaristia. Lembro-me que, quando terminava a celebração, eu corria para o abraçar, mas nunca tive coragem para lhe dizer que gostaria de ser freira.
Hoje gosto de estar onde a minha presença possa ser uma ajuda. Acredito que se formos corajosos na vivência do amor e se soubermos dá-lo e recebê-lo, o pecado não terá mais lugar.
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